Cristiana Lunardi
Fonoaudióloga / Psicopedagoga
Crfa 7521
Ao falarmos sobre aprendizagem no portador de disfunção neuromotora, precisamos primeiramente refletir sobre dois aspectos importantes relacionados ao tema: como se aprende e como se transmite o conhecimento.
Tradicionalmente, considerou-se que aprendizagem era um processo consciente e produto da inteligência, não dando ênfase ao corpo e ao desejo. Seguindo a teoria psicopedagógica, acreditamos que pelo menos quatro níveis entram em cena na hora da aprendizagem: seu organismo individual herdado; seu corpo constituído; sua inteligência autoconstruída e o desejo.
Quando falamos em corpo e organismo, estamos nos referindo ao que nos é hereditário (organismo) e o que é apreendido (corpo), pois pelo corpo nos apropriamos do organismo. A respiração, por exemplo, é um comportamento de efeito orgânico, já a emissão de palavras é uma coordenação que tem que ser aprendida, portanto passa pelo corpo. É importante lembrar que o corpo acumula experiências, adquire novas aquisições, automatiza o movimento que dá lugar à aprendizagem. Pelo corpo nos apropriamos do organismo. Não há aprendizagem que não seja registrada pelo corpo.
Nos níveis da inteligência e do desejo, no processo de aprendizagem, relacionamos aos níveis do lógico e do símbolo no sujeito. No nível lógico, nos referimos à inteligência como uma estrutura lógica onde o pensamento põe-se a ação. Segundo Piaget, a ação é o ponto de partida para a estruturação e organização do pensamento. Para ele, a construção real do conhecimento depende da ação do sujeito em obter uma organização cognitiva que não depende nem de causas genéticas nem impostas pelo estímulo exterior. Enquanto a inteligência tende a objetivar, buscar, generalizar, classificar e ordenar, o nível simbólico (desejo) é o que organiza a vida afetiva e a vida das significações. A linguagem, os gestos, o afeto dão significados à vida e por meio destas significações é que vai se moldando o sujeito, como ele age no mundo e como o sente. Neste nível estão incluídos o que chamamos de emoções, afetividade e inconsciente.
Partindo do pressuposto que para aprender necessitamos destes quatro níveis, o conhecimento não pode ser transmitido em bloco. Necessariamente na aprendizagem entram em jogo dois personagens: o ensinante e o aprendente, que acreditamos carregar suas histórias de aprendizagem e que se confrontam no cenário da educação. Portanto, ao ensinar, o educador está se vinculando ao aprendente por meio dos seus quatro níveis de elaboração (orgânico, corporal, intelectual e desejante), que por sua vez entra em contato com os quatro níveis do aprendente, fazendo com que ocorra a aprendizagem.
Modalidade de aprendizagem
Para aprender, podemos observar que cada um de nós tem uma modalidade de aprendizagem particular, ou seja, temos formas especificas e individuais de entrar em contato com o conhecimento e construir nosso saber. A modalidade de aprendizagem age como uma matriz, um molde e assim operamos nas diferentes situações no aprender.
Em uma aprendizagem normal ou sadia, se pressupõe que haja harmonia nos movimentos assimilativos e acomodativos. Para o aprender é necessário que ocorra dois esquemas: a assimilação e a acomodação. O primeiro refere-se a tudo que nosso organismo possa incorporar a todos os esquemas e ações na qual estamos sujeitos ao entrarmos em contato com o externo. E o segundo esquema é tudo que se transforma ao ser incorporado pelo organismo, dando novas significações e contexto ao conteúdo recém adquirido.
Ao falarmos de crianças e adolescentes portadoras de disfunção neuromotora, estamos nos referindo a sujeitos que já entram no processo de aprendizagem com defasagem, uma vez que sabemos que carregam disfunções importantes nos quatro níveis de elaboração. Ou seja, já nascem com alterações orgânicas que interferem no aprender do seu corpo e, conseqüentemente, apresentam lacunas importantes para sua inteligência e seu corpo emocional.
É importante entender como eles aprendem e com que tipo de modalidade de aprendizagem estamos lidando, para que consigamos favorecer e possibilitar seu processo ensino-aprendizagem. Sabendo que sua modalidade de aprendizagem segue em um ritmo e modelo diferenciado, portanto, necessitamos de uma mudança de paradigma. Olhar o aluno pelo que ele consegue fazer e não pelas suas dificuldades, pois estas nós já conhecemos, e lidando com as nossas expectativas, pois também carregamos uma história no aprender, que muitas vezes não corresponde à história de aprendizagem do meu aluno.
Vale ressaltar a importância do suporte terapêutico para dar os subsídios necessários a este aluno no momento da sua aprendizagem. Definir o programa e as prioridades na escolha da terapia é fundamental para o sucesso do aprendente.
Intervenção Psicopedagógica
Para o processo de inclusão, é importante estarmos atentos para as atuações do professor na inserção do aluno dentro de sala de aula.
É necessário nos atermos aos seguintes aspectos:
– Adaptação curricular (conteúdo);
– Utilização de recursos facilitadores (calculadora, gabaritos, material concreto, etc.) ;
– Uso de adaptações que auxiliem a ação do aluno no processo ensino-aprendizagem;
– Adaptação da lição de casa;
Devemos nos preocupar com os acertos do nosso aluno e não com o que ele não consegue fazer. Para isto, temos que adaptar o conteúdo, muitas vezes diminuindo ou até mesmo diferenciando do material do grupo. Isto não significa que ele não faz parte do grupo, mas sim que ele necessita de intervenções diferenciadas para que esteja incluído no contexto escolar. Não devemos ter medo de falar sobre a diferença, ela existe e sempre fará parte do grupo. Devemos falar sobre o assunto levantando as angústias e dúvidas do grupo, da escola e da família, para que a inclusão possa começar a se tornar real.
Parabéns por abordar este tema hoje tão comum no meio educacional.