Protagonizada por personagens cadeirantes, a série animada As Aventuras de Léca e Seus Amigos foi concebida e dirigida por Paulo Henrique Machado, 45, que desde sua infância mora e é paciente do Hospital das Clínicas, acometido pela paralisia infantil. As histórias retratam a sua infância junto com outras crianças com deficiência física, e foram baseadas no livro “Pulmão de Aço – uma vida no maior hospital do Brasil” (Belaletra Editora, 2012), escrito por Eliana Zagui, sua amiga e companheira de quarto, também residente no hospital desde muito cedo, vítima da pólio.
“Minha mãe morreu dois dias depois que eu nasci. Com um ano e meio, tive paralisia infantil. Vim para o Hospital das Clínicas sem movimento nas pernas e, com o tempo, a paralisia atingiu também meu sistema respiratório. Desde então, dependo do aparelho de respiração artificial para continuar vivo. Aqui no hospital, aprendi a ler e a escrever. Conclui o ensino médio e fiz vários outros cursos de informática e na área de softwares.Lembro-me de quando era pivete, podia andar de cadeira de rodas pelo hospital e visitar meus amigos em outros quartos. Líamos historinhas infantis uns para os outros. Minha capacidade de respiração foi piorando e eu já não podia mais sair da cama. Eu e mais seis amigos, todos com paralisia infantil, fomos transferidos para um quarto [só ele e Eliana Zagui sobreviveram]. Era uma gangue.Apesar de estarmos presos às camas, a gente inventava brincadeiras que estimulavam a imaginação. Eu, o Pedro e o Anderson tínhamos movimentação nos braços [as meninas não tinham] e fazíamos pipas para brincar e para vender. O Anderson conseguia soltar da janela do quarto.Aqui no hospital tive muita oportunidade de fazer coisas que qualquer outra criança podia fazer lá fora, como armar arapucas para pegar passarinho no fundo do terraço. A diferença é aqui a gente só pegava pomba.Um dia encontrei um gafanhoto e o amarrei com barbante. Fazia de conta que eu era o Pinóquio e ele o grilo falante. Também ganhava “presentes” dos funcionários. Uma atendente me deu uns tatus-bolas. Outro médico que trabalhava aqui, o doutor Giovani, que eu chamava de pai [Paulo tem pai, mas que raramente o visita], me trouxe duas pererecas, aquelas que dão em rio. Eu tentava pegar, e elas pulavam. Foi aquela histeria generalizada na UTI.Em 1992, pensei o que poderia ter para produzir, criar alguma coisa. Foi quando escrevi uma carta para uma empresa pedindo a doação de um computador. Comecei a estudar informática sozinho. Era um modelo MSX, bem limitado. Em 1994, ganhei meu primeiro PC.
A partir de 2004, lutei, também sozinho, para me profissionalizar na área de 3D. Em 2011, achei que eu precisava de um curso para trabalhar com computação gráfica. Fui atrás do Senac, e o professor veio até o hospital.Foi aí que pensei numa animação com deficientes físicos. Pensei que as minhas aventuras e dos meus amigos aqui dentro do hospital já dariam um bom roteiro para uma série animada. Ao colocar as histórias das nossas vidas, minha ideia é que as crianças possam assistir e aprender que o deficiente, numa cadeira de rodas, não é tão diferente assim. As histórias também contam sobre passeios que fiz ao Playcenter, ao circo, por exemplo”.
A riqueza e as aventuras de cada momento vivenciado por eles já podem ser lidas no livro Pulmão de Aço, de Eliana, em breve poderão ser assistidas nas As Aventuras de Léca e Seus Amigos, de Paulo. Dois grandes exemplos de talento e superação.
Sobre o livro “Pulmão de Aço – Uma Vida no Maior Hospital do Brasil”